segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Um conto dessa vida

Eu conheci um homem, e esse homem tinha cachos na cabeça bem pequenininhos grudados no couro. Esse homem cantava, cantava canções românticas que fazia com que as saias voassem. Canções inteligentes que perturbavam os caichos. E as pequenas cantigas que brincavam com minha imaginação.
Ele sorria com todos os dentes e andava rápido.
Ele era forte, mais forte que todos os homens do mundo. Ele era engraçado e ao lado dele eu me sentia segura, sem saber que a insegurança andava de mãos dadas com ele.
Até que um dia ele saiu andando. Já fazia pequenas caminhadas, mas nesse derradeiro dia começou a andar para nunca mais parar, andava como se estivesse partindo finalmente. Queria poder partir voando, ou se desfazer em fumaça, e partir no ar, se pudesse se afundava na terra e ia cavando buracos no chão vermelho, mas só podia partir andando.
Com passos precisos, mas sem saber para onde ir, com o olhar seguro como se soubesse, olhando para frente vendo ao redor sem dar importância, apenas registrando cada figura, cada massa, bloco ou corpo que se mexia.
Guardou esses registros na mente, pois para onde estava indo era necessário muito repertório imaginário, pois dali para frente era a única coisa que o alimentaria, imaginação, pensamentos, nada de idéias, elas não progrediam.
Andou por ruas, becos, praças, bares, lojas, hospitais, avenidas e estradas.
Sempre com o mesmo ritmo e o mesmo olhar, a mesma determinação, nem mais nem menos.
Depois de um longo percurso ele ao andar era envolvido por um equilibrio, em tudo. Cada passo que era gerado pelo desiquilíbrio, provocava o contrario. Esse equilíbrio estava em cada molécula em todos os ossos.
Andou e andou, segundos ou anos não se sabe. A única coisa que se sabe(e quem disse foi uma das poucas pessoas de palavra confiável que existe nesse mundo, que viu e depois comunicou a família) é que ele só parou de andar quando avistou um canavial. Parou a alguns metros de distância, olhou com aquele olhar sem desequilíbrio, castanhos, por exatos três minutos observou o canavial.
E não se sabe o que ele queria, mas nesse momento ele viu nas canas o destino, viu o que procurou durante tanto tempo.
Entrou no canavial e continuou andando, agora não mais calado, recitava suas palavras cheias de figuras que guardou. Cada palavra era direcionada para uma pessoa. Quase nunca eram repetidas, e se repetidas eram usadas de maneira cada vez mais inusitada. Eu não sei usar as palavras assim como ele usou, e muitos curiosos tentaram entender o raciocínio que juntavas as palavras, mas nunca chegavam nem perto de descobrir e nem perto de acha-lo no canavial.
As crianças da redondeza achavam aquele acontecimento curiosíssimo, e depois dos deveres, passavam as tarde inteiras ao redor do canavial, sentadinhas ouvindo as combinações palavriásticas, e gargalhavam. Algumas saiam de suas casa de noite e passam as madrugadas olhando as estrelas e se divertindo com ele.
E depois de tanto esperar que ele saísse, a família resolveu procura-lo e traze-lo de volta.
Procuraram e nada nem vestígios, só de ouvia a voz, por todo o canavial.
A família queria derrubar o canavial só assim o achariam, os proprietários não queria de jeito nenhum, muito dinheiro. A família comprou o canavial.
E aos poucos foi derrubando, diariamente. No final de 73 dias as canas foram todas cortadas e ele nunca foi encontrado, a não ser os ruídos das palavras e suas figuras.


-"Dedico esse texto à Ailton Rosa e suas palavras"-

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